Há alguns dias, nós falamos aqui no blog sobre como é ser
mulher e mãe negra no Brasil. As lutas que vão desde experiências de exclusão e
discriminação, falta de representatividade, a violência obstétrica que
enfrentam desde o momento que decidem ser mãe. Falamos como essas mulheres
transformam suas vivências em um aprendizado para buscar orgulho em si mesmas e
terem um papel importantíssimo dentro da transformação social de seus filhos.
Hoje, nós vamos acompanhar um pouco do que é ser mãe negra
através das perspectivas da Aida Polimeni e da Elizângela Amorim. Além disso, a
Jéssica Amorim também vai nos contar como foi crescer como criança negra e suas
experiências dentro de uma sociedade racista.
Aida Polimeni, 29
anos, Publicitária
Minha gravidez não foi planejada, mas eu decidi ser mãe. Aos
23 anos, Amora nasceu dentro de casa, porque era o lugar que eu acreditava (e
acredito) ser mais seguro. Mulheres negras são as maiores vítimas da violência
obstétrica no país. Então, desde a gravidez, eu soube que a minha história com
a maternidade seria de luta, como todas as outras que me formam.
Depois que ela nasceu, já fui confundida com a cuidadora e
já ouvi que ela deu sorte por ter nascido com cachos soltos e não com o crespo
da mãe. Já ouvi comentários sobre seu corpo, mesmo ela sendo uma menina de 5
anos. Um dia, enquanto passeávamos no shopping, Amora perguntou "porque
estão olhando pra você assim, mamãe?".
Quando olho pra minha filha tento imaginar uma capa ao seu
redor. Tento acreditar que o racismo será impenetrável, mesmo ele já aparecendo
nas nossas vidas desde o primeiro momento. Não dá certo. A minha única forma de
lutar contra todas as imposições é mostrando que a verdade está aí, mas somos
capazes de mudar e transformar cada pedaço dela.
Eu nunca imaginei sentir um amor tão grande. A solidão que
me foi imposta virou uma frutinha roxa, cheia de coragem, que me fala todos os
dias um "você precisa lutar por isso".
Elizângela Amorim, 45
anos, formada em Administração e Assessora de Relações Governamentais
Enquanto mulher e mãe negra tenho que admitir que as
desigualdades existem e são perceptíveis no nosso cotidiano, quando nos
deparamos com algum caso de discriminação racial que nos choca e revolta ao
mesmo tempo.
Tenho duas filhas; Jéssica e Jhenifer que felizmente puderam
sempre estudar em boas escolas. A prioridade da nossa família sempre foi que
elas tivessem uma educação de excelência e assim foi feito e continua sendo.
É claro que sabemos que essa não é a realidade da maioria
infelizmente por questões financeiras, sociais dos pais, que muitas das vezes
almejam o melhor para os seus filhos e não podem oferecer por não haver uma
equidade de oportunidades.
Perceber que em uma escola particular os negros ainda são a
minoria, assim como em diversos lugares, causa sim uma preocupação se suas
filhas irão ser excluídas de alguma forma ainda que seja intrínseco.
Felizmente com minhas meninas não tiveram esse problema,
acredito que por elas sempre terem sido bem resolvidas nessa questão tão
presente em nós.
Jéssica Amorim, 25
anos, formada em Ciência Política e Hair Designer
Na minha visão, foi fluido e complexo. Existe toda uma carga
que minha mãe carregava por ser mulher negra, então eu e minha irmã fomos
criadas para estarmos sempre impecáveis: roupa sempre limpa e superpassada,
cabelo penteadíssimo, dentes brilhando. Ela sempre foi muito cuidadosa com a
maneira que a gente ia andar na rua (e dentro de casa); o que vem muito da
maneira como minha bisavó se comporta até hoje pra “entrar e sair de qualquer
lugar”.
O cabelo era uma grande questão: estar sempre preso,
penteado e “arrumado”, pra ninguém dizer que estávamos bagunçadas. E daí também
começou o processo de “abaixar o volume” do cabelo. Mas hoje é muito doido
perceber como tudo o que ela fez foi pra nos proteger. E pra que fôssemos
aceitas em todos os lugares.
Uma coisa curiosa é que minha me dava presentes para que eu
me tornasse uma intelectual: dos livros, mapas, até a tabuada divertida do 1 ao
12 que eu ganhei antes mesmo de aprender a ler. Ela sempre estimulou que eu
fosse a aluna nota 10, que lesse muitos livros e fosse uma criança criativa. Ela
sempre ouviu todas as referências negras da MPB, e ouvia todos os dias,
religiosamente, Alcione. A Marrom era a grande referência de artista dela,
ainda é. É isso é muito bonito, principalmente quando eu penso que meu
referencial de beleza também foi construído através do que minha mãe ouvia,
como se vestia e como ela é incrivelmente linda. Ela sempre foi muito rígida,
sem muitos beijos, mas hoje eu vejo como essa foi a maneira d’ela demonstrar
todo o amor e cuidado. E é especialmente emocionante quando as pessoas me olham
e falam que eu sou igual a ela: no jeito de andar, de falar, de olhar
repreendendo, de cuidar... para além da beleza.
Uma das coisas de maior enfrentamento do racismo, pra mim,
veio através do afeto. A família que é matriarcal, a maneira como a gente se
espelha e se parece, se cuida. E assim, se protege, fortalece. Dialoga sobre as
micro violências diárias, e no final do dia, sabe que tem alguém que vai
entender exatamente o que acontece; mas mais do que isso, vai me dar suporte!
Outra coisa importante, quando eu passei pela transição
capilar, eu vi minha mãe de uma maneira que nunca tinha visto antes: tirou o
aplique e parou de alisar o cabelo. Cada vez que eu saía com o cabelo mais
volumoso, mais ela enxergava a beleza em não estar com o cabelo “no lugar”; em
explorar todas as possibilidades que o nosso cabelo crespo oferecia. Foi lindo
de ver que, finalmente, a gente tava quebrando a barreira juntas.
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