quinta-feira, 16 de abril de 2020

Entenda a tradição africana por trás do “meme do caixão”

O brasileiro é bastante conhecido pelo seu humor. Nas redes sociais, não ficamos para trás. Inclusive, disputando campeonato de memes com outros países. Quase toda semana temos um meme novo rodando a internet. Pra quem não sabe, a expressão “meme” está relacionada a alguma informação, imagem ou vídeo que venha a viralizar nas redes sociais de forma humorística.
Nos últimos dias, o vídeo de dançarinos negros carregando um caixão nos ombros viralizou. Várias montagens já foram feitas utilizando esse conteúdo. Em sua maioria, elas sucedem imagens de prováveis acidentes que poderiam resultar em um funeral, por exemplo. Essas montagens ainda contam com a trilha sonora animada de um remix da música “Astronomia”, do artista russo Tony Igy.
Mas o que interessa aqui é a cultura africana por trás desse meme. Na verdade, a sua origem é de Gana, país situado no Golfo da Guiné, na África Ocidental. Diferente de nós que estamos acostumados com cerimônias mais tristes, em muitas regiões da África existem rituais que fazem referência à vida, e não à morte. Acredita-se que a morte não é o fim, mas sim uma parte da história de cada indivíduo. A vida continua, só que não mais nesse plano.


Foto: reprodução da internet


Benjamin Aidoo é o agente funerário responsável pelas coreografias que vemos nos vídeos. Em entrevista à BBC News, Aidoo explica que pergunta aos seus clientes como eles gostariam que fosse feita a cerimônia de despedida dos entes queridos. “Eu decidi acrescentar uma coreografia, então quando o cliente vem até nós, perguntamos: ‘Você quer algo solene ou um pouco mais de teatro? Ou talvez uma coreografia?’ É só pedir que nós fazemos”, afirma.

“Essas pessoas, quando elas estão levando nossos entes queridos ao seu local de descanso, elas também dançam. Então decidi dar à minha mãe uma viagem dançante a seu criador”, explica uma cliente de Benjamin Aidoo.

A música original tocada na cerimônia é um jazz africano, mas foi substituída por um remix quando caiu nas graças dos memes. Certamente, Aidoo não imaginava que a sua ideia em trazer mais alegria nos funerais iria viralizar na internet.



Os funerais em Gana já eram conhecidos por seus caixões de formas variadas. De acordo com sua tradição, as pessoas podem ser enterrada em caixões personalizados, sendo esses representantes do seu trabalho ou algo que amaram quando estavam vivos.


Fotos retiradas do site Afreaka

Segundo o site Afreaka, os primeiros formatos desses caixões surgiram nos anos 50, tendo como responsável o carpinteiro Seth Kane Kwei. A sua avó era fascinada por aviões e, infelizmente, não teve a chance de conhecer o meio de transporte que tanto admirava.
Pensando em homenageá-la, Seth construiu um caixão em forma de avião para que ela pudesse fazer a sua viagem para o outro mundo com o que ela tanto sonhou. Desde então, surgiram várias encomendas para ele e tornou-se algo cultural no funerais em Gana.

Referências
O Globo
Notícia Preta

domingo, 12 de abril de 2020

Páscoa, uma escrava perseguida pela Inquisição católica

Hoje é dia de Páscoa e iremos falar sobre ela, mas não a Páscoa que vocês estão acostumados a ouvir. Essa história fala de uma escrava angolana, chamada Páscoa, que foi castigada ao ser vendida para o Brasil e sofreu perseguição da Inquisição da Igreja Católica por ousar se casar novamente em Salvador. Naquele período, a Igreja tinha adaptado as regras de casamento de acordo com colônia brasileira.
Charlotte Castelnau-L’Estoile é a responsável por contar essa história em seu livro “Páscoa et ses deux maris: une esclave entre Angola, Brésil et Portugal au XVIIe siècle” (tradução livre, “Páscoa e seus dois maridos: uma escrava entre Angola, Brasil e Portugal no século 17”). A historiadora buscou arquivos brasileiros e portugueses para entender como a Inquisição portuguesa atuava entre o Brasil e a Angola de forma punitiva.
Páscoa nasceu por volta de 1660, em Massangano, Angola. Aos 26 anos de idade, foi vendida ao Brasil, mais precisamente na Bahia. Na época, ela foi acusada de bigamia, pois havia sido casada na Angola e já no Brasil, casou-se novamente. Seu próprio senhor foi quem a denunciou.



Capa do livro - Foto: reprodução da internet


Como a Igreja Católica e a Coroa portuguesa atuavam nos casamentos
Em entrevista ao site RFI, uma rádio francesa de notícias, Charlotte conta que mesmo havendo poucas informações sobre como era a vida dos povos africanos que vieram como escravos para o Brasil, o inquérito da Inquisição trazia muitas informações sobre a vida de Páscoa na África.
Embora o escravo tivesse direito à vida matrimonial, podendo escolher com quem casar, isso não acontecia muito na prática. Dependia mais da vontade do seu senhor.
Páscoa foi perseguida durante sete anos pela Igreja Católica. Tanto a Igreja quanto a Coroa portuguesa visavam uma sociedade nas colônias que fosse 100% católica, por isso os ensinamentos sobre casamento pesavam tanto. Páscoa servia como exemplo por uma questão de princípios. Sua perseguição era pra mostrar aos escravos, senhores e até mesmo padres que o casamento era um ato de respeito a ser seguido. “O casamento católico era único e indissolúvel”, afirma Charlotte Castelnau-L’Estoile.
O segundo marido de Páscoa, Pedro, com quem havia se casado no Brasil, também era escravo. Ele era natural da Costa do Benin. Pedro foi obrigado a se separar de Páscoa quando foi vendido para outro senhor justamente por ela ter sido denunciada. Embora separados, ambos conseguiram documentos angolanos, graças a mãe de Páscoa, para a reuni-los em forma de um contra-processo. Nesta parte da entrevista, Charlotte conta sobre as relações entre a Angola e o Brasil.
“Isso mostra que tinha tantas relações entre a Angola e o Brasil neste período que uma simples escrava podia mandar recados, com certeza orais, pois ela não escrevia. Mas ela conseguiu mandar recados para a família dela mesmo após dez anos separada em outro país. Outros historiadores, como João José Reis, já mostraram relações entre a Bahia e a Costa da Mina [em Benin] no início do século 19, mas acho que para o século 17 esta é a novidade. Haviam relações interpessoais em um espaço de distância enorme, é o que mostra o processo de Páscoa. Era uma sociedade separada por um oceano, mas com relações muito próximas, muito fortes”, explica.
A instituição de casamento sofreu adaptações nas colônias. Charlotte conta que os escravos que vinham tanto do interior do Brasil quanto da África podiam se casar novamente, mas só se o primeiro casamento não fosse católico. “O direito canônico vem da Europa e precisa se adaptar no Brasil. Mas isso tem limites, porque [o casamento] faz parte do dogma católico”, afirma.
Além disso, o casamento era um passo importante para a mobilidade social durante o período escravocrata. Segundo Charlotte “tinha uma mobilidade social importante nesta sociedade, primeiro com a alforria, que era mais fácil para escravos urbanos do que para os escravos de fazenda. O casamento podia ser um passo para a alforria, mas podia também ser um passo para a escravidão. Por exemplo, com os indígenas. Quando um índio casava com uma mulher escrava africana, os filhos deste casal seriam escravos. Então, esse tipo de casamento encerrava mais [pessoas] nessa sociedade escravocrata. Não é só uma mobilidade social em direção à liberdade, mas às vezes é uma mobilidade social que leva à escravidão”.
O livro de Charlotte Castelnau-L’Estoile será traduzido para o português e será lançado em breve no Brasil pela editora Bazar do Tempo.

Referências
RFI

sexta-feira, 10 de abril de 2020

Os reflexos da crise do Covid-19 na população negra

Desde o surgimento do coronavírus (Covid-19), que causa infecções respiratórias, o mundo entrou em colapso. Mais de 1 milhão de pessoas em 190 países foram diagnosticadas com o vírus, 200 mil estão curadas. Todo esse caos tem tido impacto nos setores econômicos a nível mundial. No Brasil, números apontam que os mais atingidos pelo desemprego diante da crise do Covid-19 são os negros e pobres.
O vírus teve início em dezembro, na China. De acordo com um balanço feito pela AFP, uma agência de notícias francesa, são pelo menos 65.272 mortes em todo o mundo. No momento, os países mais afetados são Itália, Espanha, Estados Unidos, França e Reino Unido.
No Brasil, até o dia 5 de abril foram contabilizados 11.130 casos e 486 óbitos, segundo o Ministério da Saúde. Diante da crise causada pelo Covid-19, os trabalhadores brasileiros têm sofrido para manter sua renda mensal e garantir o sustento familiar. O Ministério da Economia avalia que cerca de 3,2 milhões de trabalhadores formais, aqueles que possuem carteira assinada, provavelmente irão perder seus empregos. Além disso, trabalhadores informais têm sentido os efeitos devido ao isolamento social por dependerem de comércios de serviços não essenciais.

Comércio ao ar livre - Foto: reprodução da internet



As autoridades de saúde recomendam o isolamento social como uma das principais formas de diminuir a disseminação da doença. Sendo assim, quanto menos pessoas circularem em lugares públicos, menos infectados teremos. No entanto, a medida tem gerado um grande aumento de desemprego. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil tinha até fevereiro 12,4 milhões de desempregados.
No site Alma Preta, a executiva de Recursos Humanos e também fundadora da consultoria EmpregueAfro, Patrícia Santos, fala os motivos que levam os profissionais negros serem os mais prejudicados pelo Covid-19. “O país começou o ano com uma boa perspectiva de crescimento econômico e de criação de postos de trabalho, mas o coronavírus jogou um ‘balde de água fria’. A maioria das pessoas atingidas pelo desemprego serão os trabalhadores negros, grupo majoritário em cargos operacionais de bares e restaurantes, eventos, turismo, entre outros”, pontua.
A população preta do país recebe menos que os brancos e ocupa os setores econômicos de remuneração mais baixa. Muitas dessas pessoas fazem parte dos que ocupam trabalhos informais e dependem do movimento das ruas para garantir sua renda.


Foto: reprodução da internet


“Eu tenho conversado com alguns especialistas que acham que o desemprego vai aumentar porque a reação do mercado após o isolamento social não será imediata. O mercado deve reagir em setembro ou outubro, a caminho do fim do ano. Outros especialistas avaliam que o desemprego deve crescer em razão de existirem empresas que não vão conseguir permanecer abertas para atender baixas demandas. Tudo está ligado ao período que o isolamento vai durar”, afirma Patrícia Santos.
Além do desemprego, os negros fazem parte das populações mais vulneráveis, vivendo em favelas, cortiços ou palafitas. Em muitas dessas situações, essas pessoas não possuem direito ao básico, como água potável, por exemplo. Manter-se higienizado durante uma epidemia é uma tarefa difícil, tendo em vista que o próprio Estado é ausente em seus deveres. Inclusive, comentamos sobre essa ausência em outro post do nosso blog.
Há 40,7% da população brasileira ocupando trabalhos informais. Trabalhadores autônomos, sejam os que possuem comércio ou realizam atendimento por conta própria, como entregadores, motoristas ou diaristas, por exemplo, estão em uma situação em que ou se arriscam trabalhando, ou ficam sem sua renda mensal para o sustento.
Segundo o site Hypeness, embora 51% dos empresários sejam afro-brasileiros, brancos são os que garantem maior faturamento entre R$ 60 e R$ 320 mil mensais. Apenas 1% dos negros chegam a esse faturamento, enquanto os outros 60% não possuem lucro. O reflexo das desigualdades no mercado de trabalho reflete nas condições de moradia, de vida e de saúde.   
“No Brasil, o enfrentamento à pandemia da Covid-19 tem revelado não somente a insuficiência do nosso sistema de saúde, aliás condição comum a muitos sistemas de saúde do mundo frente a uma pandemia, mas também a desigualdade social oriunda da alta concentração de renda e do racismo nas suas mais variadas formas, que fazem com que o nascer, viver, adoecer e morrer da população negra sejam mediados por condições de miserabilidade, de privação de direitos, de moradia e de emprego formal”, afirma Edna Araújo, Epidemiologista e uma das coordenadoras do GT Racismo e Saúde da Abrasco e docente da Universidade Estadual de Feira de Santana (EUFS) para o site Abrasco.

Referência
Ministério da Saúde 1
Ministério da Saúde 2
Hypeness 1
Hypeness 2
Alma Preta
O Globo
Abrasco

terça-feira, 7 de abril de 2020

Negros que revolucionaram a área da saúde

No dia 7 de abril, é comemorado o Dia Mundial da Saúde. A data foi criada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para conscientizar a população sobre qualidade de vida e os diferentes fatores que afetam a saúde populacional. Diversos países realizam campanhas alertando a importância do estado de bem-estar físico, mental e social do indivíduo.
Como estamos falando de saúde, vamos relembrar alguns pesquisadores negros que marcaram a história por seus grandes feitos e quebraram barreiras desde muito cedo diante da sociedade racista, machista e preconceituosa que bem conhecemos. Até hoje, estar diante de médicos negros ainda gera bastante estranheza para muita gente.

Vamos começar pela primeira médica negra do Brasil. Maria Odília Teixeira se formou em medicina no dia 15 de dezembro de 1909. A baiana do município de São Félix do Paraguaçu, a 110km da capital Salvador, também foi a primeira professora negra da Faculdade de Medicina da Bahia, lecionando Clínica Obstétrica. Diferente das sete médicas anteriores que estudaram sobre tocoginecologia ou pediatria, Maria Odília teve como tese inaugural a pesquisa de tratamentos da cirrose.

Maria Odília Teixeira - Foto: reprodução da internet


O que você sabe sobre Patricia Bath? Ela foi responsável por inventar o tratamento mais preciso para catarata, doença responsável por uma das principais causas de cegueira no mundo. Bath nasceu no bairro do Harlem, em Nova York (EUA), formou-se em medicina pela Universidade Howard. Ela patenteou a “Laserphaco Probe”, cirurgia de catarata fotossensível a laser, abreviação do inglês. A tecnologia ajuda dissolver a catarata e é a menos dolorosa. Seu uso fez com que pacientes que estavam cegos por mais de 30 anos pudessem recuperar sua visão.
A pesquisa de Bath também alertou que pessoas negras tinham oito vezes mais chances de desenvolver glaucoma e duas vezes mais chances de ficarem cegos com a doença. Ela foi a primeira afro-americana a concluir residência em oftalmologia em 1973.


Patricia Bath - Reprodução da internet


Aqui no blog, já falamos sobre Juliano Moreira, o homem negro que revolucionou a psiquiatria no Brasil. Nasceu em 1873, em Salvador (BA), e se formou pela Faculdade de Medicina da Bahia. Ele é considerado o fundador da psiquiatria no país. Conseguiu humanizar os tratamentos dos pacientes, abolindo a camisa de força e as grades de ferro nas janelas. Marcou sua obra combatendo o racismo científico existente no início do século XX, onde se acreditava que doenças físicas ou mentais tivessem relação com a miscigenação. Juliano costumava bater de frente com aqueles que diziam que os negros eram intelectualmente inferiores e que a miscigenação explicava a loucura em pacientes.

Juliano Moreira - Foto: reprodução da internet


Esses são alguns dos negros que entraram para área de saúde e deixaram seus nomes gravados na história do Brasil e do mundo. Ainda há muitas barreiras para vencer diante do preconceito, racismo e machismo que negros e negras enfrentam quando resolvem quebrar os paradigmas e ocupar lugares considerados majoritariamente brancos. Essa situação tem mudado, mesmo que a passos lentos. Como vocês sabem, é sobre resistência. Iremos ocupar!

Referências
Brasil Escola
CREMEB
G1
Blog Nei Lopes

sexta-feira, 3 de abril de 2020

Sabotage e seu compromisso com o rap

Diretamente da Zona Sul de São Paulo, Mauro Mateus dos Santos é até hoje o maior nome do rap nacional. Há 47 anos, Sabotage nascia sem imaginar o tamanho do seu legado. Foi rapper, compositor e ator. Suas músicas carregavam vivências de anos como morador de favela e ensinamentos do que é ter uma “vida loka” guiada pelo crime. Pra ele, rap sempre foi sobre compromisso.
Nasceu no dia 3 de abril de 1973. Cresceu na Zona Sul de São Paulo vivendo em várias favelas, como Vila da Paz, Boqueirão, mas principalmente na favela do Canão. Entrou para a vida do crime aos 8 anos de idade quando conseguiu seu primeiro emprego como olheiro do tráfico. A vida de quem cresce na miséria não é fácil. Muitos morrem, são presos ou sucumbem por não suportar uma realidade tão cruel. Sua mãe criou os três filhos sozinha e morreu vítima de um sistema público de saúde precário. Dos seus irmão, um morreu após fugir da prisão, outro se entregou ao álcool por não conseguir lidar com o pouco ou quase nada que a vida lhe oferecia.
Parte da adolescência de Sabotage foi como interno da FEBEM, antiga Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor. Desde criança era conhecido como Maurinho e já apresentava paixão pela música. Costumava ter sempre um caderno em mãos onde quer que fosse para poder escrever suas letras. Ia bem nos estudos e dizia que tinha “síndrome de pensar”, mas só concluiu a 5ª série já adulto. Na favela do Canão, ele era querido, já na Vila da Paz era tido como um terrorista, pois foi assim mesmo que ele se intitulou. Era temido por ser o novo chefe do tráfico.


A vida no rap e nos cinemas
Começou a se inscrever em concursos de rap entre 1988 e 1989. Sua visibilidade no meio musical veio após participar de shows do grupo RZA (Rapaziada Zona Oeste) e depois de gravar vários clipes. “Rap é compromisso” foi o seu primeiro e único álbum gravado em estúdio, em 2000. Suas tranças espetadas deixavam a marca de um grande rapper que logo veio a estourar mostrando em rimas e versos o que era a realidade.


Sabotage - Foto: reprodução da internet



Fora do universo musical, Sabotage também teve grande destaque ao atuar em dois filmes. Em “O Invasor”, de Beto Brant (2002), atuou como ele mesmo, foi consultor sobre a cultura da periferia e teve participação em cinco músicas da trilha sonora. Em “Carandiru”, Hector Babenco (2003), seu personagem era o “Fuinha” e também teve uma música gravada para a trilha sonora do filme. Em 2002, ganhou o prêmio de hip-hop brasileiro Hutúz.
Maurinho foi substituído por Sabotage quando ele passou a se apresentar em clubes e casas de show e largou a tal “vida loka” pela música. Mesmo frequentando festas chiques e hotéis cinco estrelas, Sabotage permanecia na favela. Foi uma felicidade conseguir colocar um chuveiro elétrico em sua casa. O rapper ouvia um pouco de tudo: Barry White, Pixinguinha, Tom Jobim, Afrika Bambaata, Chico Buarque, Sepultura. Toda essa bagagem musical influenciou o rapper para que pudesse inspirar jovens e adultos de todas as gerações, além de artistas que o consideram uma das maiores vozes do rap nacional de todos os tempos.


O fim de um dos maiores nomes do rap nacional
Sabotage teve uma breve passagem na cena, mas consideravelmente importante. Sua trajetória foi interrompida no dia 24 de janeiro de 2003 quando voltava para casa após deixar sua esposa, Maria Dalva da Rocha Viana, no trabalho. O rapper foi alvejado com quatro tiros por volta das 05h30, na Avenida Professor Abraão de Morais, em São Paulo. Aos 29 anos de idade, ele deixou três filhos, sendo Wanderson e Tamires filhos da atual esposa, e Larissa, que vive com a mãe na Zona Leste de São Paulo.
O motivo da sua morte é incerto. A esposa e amigos de Sabotage diziam que ele já não fazia mais parte do tráfico há muitos anos. Desde então, seu foco estava na música, em poder passar sua mensagem e história através de seus versos livres. Trabalhava em parcerias e outras produções. Inclusive, um dia após o seu assassinato ele deveria estar no Fórum Social Mundial em Porto Alegre para se encontrar com movimentos sociais de todas as partes do mundo. Certamente, seria um momento importantíssimo em sua carreira!

Obras póstumas
Em 2013, o ativista e escritor Toni C. lançou a biografia do rapper intitulada “Um bom lugar”. O livro conta com o apoio da família e metade da renda dos exemplares vendidos é destinada a eles.
Em 2015, houve o lançamento do documentário dirigido por Ivan 13P "Sabotage: Maestro do Canão", com depoimentos de artistas e cenas de arquivo da sua vida. No longa-metragem, Sabotage fala sobre vários aspectos que vão desde a infância até sua visão de futuro.

Documentário Sabotage: Maestro do Canão - Foto: reprodução da internet



Em 2016, 13 anos após sua morte, houve o lançamento do seu álbum póstumo com onze faixas. O álbum conta com participações de Tropkillaz, Instituto, Negra Li, Ganjaman, Rappin’Hood, Fernandinho Beat Box, BNegão, Céu, Dexter, entre outros.
Este ano, a websérie #SabotageVive foi lançada no YouTube. O projeto é fruto dos seus filhos Tamires e Sabotinha para exaltar o legado do pai. São oito episódios que misturam registros das gravações do DVD ao vivo de Sabotage, em 2002, no Píer Mauá, com apresentações dos filhos.

Referências
Pensador
Uai
Esquerda Diário
BQNDE
Hypeness 
TMDQA

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quinta-feira, 2 de abril de 2020

Livros infantis sobre representatividade negra

Quantos contos infantis de representatividade negra você leu quando era criança? Que tipo de material voltado para disseminar a cultura negra era compartilhado nas escolas? A resposta: nenhum. Muitos de nós fomos crianças negras que cresceram sem referências das suas próprias raízes. Antigamente, os pais não tinham tanto acesso a informação como temos agora.
Poucos são os que tiveram uma formação consistente sobre o que é ser negro e como lidar com um mundo cruel e racista. Hoje, estamos passando por dias estranhos e inimagináveis. Devido ao momento recluso que estamos vivenciando, criamos uma lista contendo livros infantis que retratam histórias negras.



Família - Foto: Depositphotos


Se você tem oportunidade de estar com seu filho, irmã, sobrinha, primo, neto em casa, que tal separar uma hora do seu dia para dividir contos infantis sobre representatividade negra com eles? A proposta também está válida para os que só tem o fim de semana para compartilhar esses momentos. É de extrema importância que trabalhemos a autoestima das nossas crianças para garantir que elas cresçam seguras de si e independentes. Então vamos lá?


Meu Crespo é de Rainha
Traz ilustrações, poemas rimados e aborda os diferentes penteados e cortes de cabelo de forma positiva, alegre e elogiosa. É inspiração para que meninas cresçam sentindo orgulho de seus cabelos, assim como mães, irmãs, tias, primas e avós também.
Autora: bell hooks

Os Nove Pentes d’África
Tradição e contemporaneidade tecem um bordado de poesia e surpresa na tela de uma família negra brasileira. Os pentes herdados pelos nove netos de Francisco Ayrá são a pedra de toque para abordar a pulsão de vida presente nas experiências das personagens e rituais cotidianos da narrativa.
Autor: Davi Nunes

Amoras
O primeiro livro do rapper Emicida e que é inspirado em sua música “Amoras”: “Que a doçura das frutinhas sabor acalanto/ Fez a criança sozinha alcançar a conclusão/ Papai que bom, porque eu sou pretinha também”. Ele aborda a importância de nos reconhecermos no mundo e nos orgulharmos de nós mesmos.
Autor: Emicida

Pequeno Príncipe Negro
O livro conta a história de um menino que vivia em um pequeno planeta e tinha como única companhia uma árvore de Baobá. Durante a trajetória por diferentes planetas, o menino fala sobre amor, empatia e como as pessoas devem valorizar suas raízes.
Autor: Rodrigo França

O menino Nito
O livro retrata tradições populares de matrizes africanas, como Maracatu, Jongo e outras influências que vão desde a culinária, passando pelo esporte. Debate a formação da masculinidade tóxicas em crianças.
Autor: Sonia Rosa


Zum Zum Zumbiiiiiiii
Conta a história da escravidão e luta do povo africano no Brasil, incluindo Zumbi dos Palmares e o movimento de resistência negra
Autora: Sonia Rosa

Heroínas Negras Brasileiras em 15 Cordéis
Mostra a trajetória de 15 mulheres negras e como elas impactaram o processo de formação do Brasil. Suas referências trazem cordéis e xilogravuras
Autora: Jarid Arraes

As Tranças de Bintou
A menina Bintou sonha ter os cabelos trançados como o da irmã mais velha. A história permite que repensemos o Brasil através de costumes africanos.
Autora: Sylviane A. Diouf

Referências
Alma Preta
Casa Vogue
Leiturinha

segunda-feira, 30 de março de 2020

A ausência do Estado e as populações vulneráveis

Já sabemos que o Coronavírus está avançando no Brasil. Até o momento, temos 4.256 casos e 136 mortes confirmadas pelo Ministério da Saúde. Não é novidade que o Governo Federal tem deixado a desejar em suas atitudes para prevenir mais casos de pessoas contaminadas pelo vírus. Na maioria dos estados brasileiros, principalmente na região Nordeste, os governadores têm implementado medidas mais responsáveis de proteção para a população. Em muitos casos, sem a aprovação e/ou colaboração do presidente.
O nosso questionamento gira em torno do que se tem feito para ajudar as populações mais vulneráveis das comunidades, periferias, comunidades quilombolas, entre outros. Pessoas em situação de pobreza são as mais afetadas pela pandemia. Embora ocorra uma grande divulgação através das redes sociais ou meios de comunicação como televisão, jornal ou rádio, até que ponto chega a ser efetivo esse diálogo?
Grande parte das comunidades e regiões periféricas não possuem acesso ao básico: água potável. Como é possível pedir para que essas pessoas mantenham sua higiene pessoal se nem o mínimo é entregue pelo Estado? A opção de teletrabalho, o famigerado “home office”, é quase impraticável tendo em vista que a maioria dessas pessoas vivem de trabalho informal e precisam ir às ruas todos os dias para garantir alimentação e o pagamento de suas contas. Se quase não sobra dinheiro no fim do mês para arcar com as contas, como terão acesso a álcool em gel, por exemplo?


Comunidade - Foto retirada do site A Gazeta

São das comunidades e periferias que saem as domésticas, porteiros, motoristas, cobradores, entregadores etc. É essa mesma população que precisa de auxílio do Estado para enfrentar uma pandemia. Aqui, ainda não estamos levando em consideração milhares de crianças e jovens que tiveram suas aulas suspensas e usam essas instituições como uma extensão de casa para poderem se alimentar ao menos uma vez ao dia.
Pede-se o isolamento social quando há suspeita de contaminação pelo vírus. Em algumas casas há somente um ou dois cômodos, além disso muitas casas são bastante próximas uma das outras. Por mais que haja indicações de higiene com álcool em gel e máscaras, conseguir tais materiais é quase impossível.


Quem são os privilegiados e os vulneráveis?
Casos como o da idosa de 62 anos que era empregada doméstica de uma família há mais de 20 anos no bairro do Leblon (RJ) refletem e muito as posições que cada ser humano ocupa na sociedade ao definir quem são os grupos mais privilegiados e os mais vulneráveis. A idosa era hipertensa e diabética. Sua patroa havia voltado recentemente da Itália e estava reclusa no apartamento em que vivia desde que havia voltado de viagem. Ela não tinha noção que a patroa poderia estar com coronavírus e seguiu sua jornada de trabalho normalmente.
Na sexta-feira (13), ela começou a se sentir mal. Na segunda-feira (16), precisou ser socorrida para o hospital e só depois de uma ligação de sua patroa para a família informando que possivelmente estava infectada com coronavírus foi que todos puderam ter noção que o estado da idosa era mais grave do que se imaginava. Infelizmente, ela veio a falecer horas depois.
Embora não tenhamos informações se a moradora do Leblon sabia ou não que havia contraído o vírus, ela permaneceu reclusa em sua residência, mas não informou em nenhum momento para a sua empregada o risco que ela poderia estar correndo entrando em contato direto com ela. Da idosa, foi roubado o direito de seguir a vida; de seus familiares e amigos, o direito de convívio e afeto. Quem vai devolver isso?

Comunidades quilombolas
Em uma entrevista coletiva, Luiz Henrique Mandetta, o ministro da Saúde, informou que o Sistema Único de Saúde (SUS) estava presente em todo território brasileiro. “Eu não tenho uma cidadezinha, não tem uma comunidade quilombola, ou indígena, que não tenha o SUS. Nós podemos ter dificuldade, mas o sistema de saúde vai estar ao lado dos 215 milhões de brasileiros”, afirmou.
Não é bem assim que pensa Manuel dos Santos, do quilombo Mumbaça, em Traipu (AL). Em entrevista ao site Alma Preta, o quilombola afirmou que “em nenhum dos quilombos de Alagoas até o momento há um caso. Se chegar, a gente morre pois em nenhuma comunidade tem como se tratar do caso ou ser atendidos por médicos”.
Os quilombolas recebem atendimento do SUS esporadicamente. O maior medo dessas comunidades é de não poder conter a pandemia usando os conhecimentos de sua medicina. Alguns quilombos já adotaram as práticas de isolamento para que não sejam atingidos pelo vírus, evitando áreas urbanas e fechando as comunidades turísticas.


Quilombo - Foto retirada do site Wikipédia

E o Estado?
Se a saúde é um direito de todos e o Estado tem como obrigação garantir políticas sociais e econômicas para reduzir o risco de doenças além do acesso universal e igualitário, por que esse mesmo Estado não é acessível a toda sociedade? Será que a constituição só vale para alguns? Até o momento, não vimos nenhuma divulgação do Ministério da Saúde sobre quais ações podem ser feitas para proteger essas populações mais vulneráveis.
É a população pobre e preta que mais sofre no Brasil e pelo fato dessa mesma população não poder esperar por iniciativas do governo, ela se une, se mobiliza e luta pra conseguir resistir.


Ações nas periferias
Em algumas periferias da cidade de São Paulo existem projetos de distribuição de alimentos orgânicos e mapeamento das famílias que estão mais vulneráveis. Alguns dos alimentos que seriam descartados por restaurantes que se encontram fechados serão entregues a moradores periféricos. Agricultores do interior do estado oferecerão cestas de alimentos sem agrotóxicos para distribuir a quem se encontra em situação de vulnerabilidade social.
Para um dos parceiros do projeto, Dilmas Reis Gonçalves, do Preto Império, a chance de pessoas pobres e negras serem vulneráveis ao COVID-19 se deve ao fato de que elas não possuem uma boa alimentação, levando-os a baixa imunidade.
O grupo Pertim contribui arrecadando fundos para comprar de pequenos agricultores e distribuir para aqueles que se encontram vulneráveis diante a situação atual do COVID-19.
Outro projeto que surgiu também na cidade de São Paulo conta com uma vaquinha online que oferece um auxílio de R$ 300 para famílias em maior situação de vulnerabilidade. Há uma fila de espera e o mapeamento é feito de acordo com as condições socioeconômica de cada família. O projeto é uma iniciativa dos coletivos IFE, Luar, Bloco do Beco, Sarau do Binho e Passo à Frente.
Uma campanha organizada pela União de Núcleos de Educação Popular para População Negra (Uneafro) visa ajudar comunidades periféricas tanto de São Paulo, como do Rio de Janeiro frente aos impactos gerados pelo COVID-19. Uma vaquinha online está sendo feita para comprar materiais de higiene e alimentação básica para pessoas de 31 comunidades entre os dois estados.
Um grupo formado por pessoas da periferia criou a campanha #CoronaNasPeriferias com o intuito de levar mais informação para as suas comunidades. Inclusive, há uma coalizão nacional de enfrentamento ao vírus. Para participar basta se inscrever pelos site www.coronanasperiferias.com.br. Há também uma campanha nas redes sociais, principalmente no Twitter, que conta as situações nas periferias, violações e possíveis soluções com a hastag #COVID19NasFavelas.

Referências
Alma Preta 1
Alma Preta 2
Negócios