terça-feira, 1 de outubro de 2019

O homem negro que revolucionou a psiquiatria no Brasil

No blog de hoje, iremos falar sobre Juliano Moreira, considerado o fundador da psiquiatria no Brasil. Ele foi o primeiro professor universitário brasileiro a citar e incorporar a teoria psicanalítica no ensino da medicina.


Nascido em 6 de janeiro de 1873, em Salvador (BA), Juliano era negro e pobre e foi criado por sua mãe, Galdina Joaquim do Amaral, que trabalhava na residência de Adriano Alves Lima Gordilho, o Barão de Itapuã. Após o falecimento de sua mãe, quando ele tinha 13 anos de idade, foi reconhecido pelo seu pai, um português e inspetor de iluminação pública chamado Manoel do Carmo Moreira Junior.
Graças ao seu padrinho, o Barão de Itapuã, que também era médico e professor da Faculdade de Medicina da Bahia, Juliano teve seu apoio para fazer cursos preparatórios e ingressar na faculdade de medicina em 1886, ainda precoce, aos 13 anos. Vale lembrar que Juliano ingressou na faculdade dois anos antes da abolição formal da escravatura.
Com apenas 19 anos, estava graduado com a tese “Sífilis Maligna Precoce” e seguiu fazendo várias viagens de estudos para o exterior onde visitava escolas e hospitais psiquiátricos. Passou pela França, Alemanha, Inglaterra, Bélgica, Holanda, Itália, Áustria e Suíça.
Cinco anos mais tarde, tornou-se professor substituto da seção de doenças nervosas e mentais da mesma escola. Em 1903, recebeu o convite do Ministro do Interior e Justiça, José Joaquim Seabra, para dirigir o Hospital Nacional de Alienados, no Rio de Janeiro. Juliano Moreira conseguiu humanizar os tratamentos dos pacientes, abolindo a camisa de forças e as grades de ferro nas janelas.
Embora não fosse professor da Faculdade de Medicina do Rio, Juliano recebia internos para o ensino da psiquiatria. Durante esse período, reuniu médicos que se tornariam com ele organizadores ou fundadores de diversas especialidades na medicina brasileira como neurologia, psiquiatria, clínica médica, patologia clínica, anatomia patológica, pediatria e medicina legal, tais como Afrânio Peixoto, Antonio Austragésilo, Franco da Rocha, entre outros.
Além da psiquiatria, Juliano Moreira também foi um importante tropicalista, onde efetuou trabalhos sobre “gundu” (bouba terciária), a leishmaniose tegumentar, lepra e micetomas. Na Bahia, utilizou pela primeira vez a punção lombar com fins diagnósticos.

Foto retirada do Arquivo Nacional do Brasil    

O Dr. Antonio Austregésilo disse uma vez que “a personalidade de Juliano irradiou-se em todas as fórmulas: escolheu pessoas idôneas para amar a ciência e considerar o doente; distribuiu a bondade que é a fórmula mais elementar e eficiente da psicoterapia; fugiu dos corrilhos burocráticos e teve sempre, para o estudioso, a palavra de ânimo, consolo, solicitude e carinho, que foram os segredos da construção da escola científica, além da certitude da orientação, quase criadora que embalsamou durante vinte anos a atmosfera da assistência aos insanos”.
Juliano Moreira também deixou sua marca na literatura médica. Escreveu e publicou diversas obras reunidas em mais de cem títulos. Um ponto marcante em sua obra foi a sua explícita discordância quanto à atribuição da degeneração do povo brasileiro à mestiçagem, especialmente a uma suposta contribuição negativa dos negros na miscigenação.


À esquerda, Juliano Moreira de terno escuro ao lado do físico Albert Einstein.
Ele combatia o racismo científico que existia na psiquiatria no início do século XX. Se opôs, inclusive, a um dos seus professores da Faculdade de Medicina da Bahia, o legista Raimundo Nina Rodrigues. Para Nina Rodrigues, a miscigenação era fruto de doenças mentais no Brasil. Juliano não aceitava que a cor da pele fosse a causa de doenças físicas ou mentais, que negros eram intelectualmente inferiores e que a miscigenação explicava a loucura em pacientes. A prova de que tudo isso não passava de falácias e puro preconceito estava em suas publicações e conduta profissional.
Em 1925, quando vice-presidente da Academia Brasileira de Ciências, recebeu o físico Albert Einstein em visita ao Brasil. Através de Juliano, o físico conheceu as instalações do Hospício Nacional. Em 1928, passou por diversas universidades japonesas de Tokyo, Kyoto, Sendai e Osaka. Por lá, fez conferências sobre suas especialidades, foi nomeado membro honorário da sociedade japonesa de neurologia e da sociedade japonesa de psiquiatria, além de ser condecorado com a Ordem do Tesouro Sagrado pelo Imperador Hirohito.
Em 1930, se afastou da direção do Hospital Nacional de Alienados e três anos depois veio a falecer, em Petrópolis (RJ), da doença do seu século: a tuberculose. Juliano é mais um como tantos outros negros que tiveram importantes contribuições ao longo da história, mas que possuem sua visibilidade apagada. Afinal, pode um negro afrontar ir tão longe no Brasil?


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