Nascer branco no Brasil pode ser considerado um privilégio. Aqui, o tom da pele define quem você é e até onde pode chegar. Pessoas de pele branca estão em uma bolha onde elas não vivem, não sabem, não sentem, não percebem e quando o racismo acontece, elas não questionam. Afinal, que diferença terá ou irá causar na vida dela?
Desde muito cedo pessoas negras passam por experiências de invisibilidade e rejeição. Isso começa no colégio quando o coleguinha branco é sempre o queridinho da professora ou quando são preteridos em atividades coletivas. Seus cabelos, traços e tom de pele são motivos de chacota. Ter que frequentar o colégio todos os dias pode ser assustador para quem passa por situações desconfortáveis diariamente.
O convívio social é árduo e ele se torna pior com o passar do tempo, especialmente quando você se força ser a pessoa engraçada da turma ou quando você faz de tudo pra ser aceito mesmo que aquilo te diminua pra caber dentro daquela bolha. E em alguns casos, você é uma das pouquíssimas pessoas negras do colégio, o que dificulta trabalhar a afetividade em um lugar de rejeição.
Não é de surpreender ver uma pessoa negra com raiva o tempo todo, afinal, ela nasce e cresce sem se reconhecer nas coisas que a cercam, diferentemente das pessoas brancas que formam sua personalidade e carregam o privilégio de acreditarem que realmente merecem estar ocupando todos os lugares. Até porque aquilo é mais que espontâneo ou natural pra ela.
“Em geral, pessoas brancas não se veem como brancas, mas sim como pessoas. A branquitude é sentida como a condição humana. No entanto, é justamente esta equação que assegura que a branquitude continue sendo uma identidade que marca outras, permanecendo não marcada. E acreditem em mim, não existe uma posição mais privilegiada do que ser apenas a norma e a normalidade.” – Grada Kilomba.
A fala da escritora, psicóloga, teórica e artista interdisciplinar portuguesa Grada Kilomba revela o quão confortável é o lugar do branco. No racismo, vemos a relação entre o negro e o branco. Já na branquitude, vemos o quanto o branco foi colocado socialmente para representar superioridade. Ao longo da vida ele foi ensinado para achar que o racismo é um problema dos negros, afinal, sua construção de superioridade foi estruturada desde a época colonial como se suas definições de branquitude fossem universais. Isso vem muito das sociedades colonizadas por europeus.
Fotografia retirada do site Justificando
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A pesquisadora em Psicologia Social da
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Lia Vainer Schucman, explica que
existe uma diferença entre branquitude e brancura. A primeira é sobre a cor da
pele, a segunda é sobre a ideia de raça “apropriada pelas pessoas brancas”. Ela
explica que identidade racial não é algo que escolhemos por meio de nossas
identificações, que existem ligações com processos de identificação ao longo da
vida, como com o pai, mãe, cultura etc.
Pessoas brancas podem se identificar com
coisas referentes à cultura negra. Neste trecho, Lia explica um pouco sua fala:
"alguém branco pode estar identificado simbolicamente com aquilo que é
nomeado como cultura negra. Frequentar candomblé, samba, etc. Mas isso não
retira da pessoa a identidade racial branca. Por isso, volta e meia tem gente
que diz ‘Eu não me sinto branco’. Mas essa não é uma questão de sentir, é uma
questão de ser identificado assim pela sua estrutura social". Ou seja, por
mais que uma pessoa tenha identificações com a cultura negra ela nunca será
vista como tal, pois o racismo no Brasil vem através de fenótipos.
Sendo assim, a identidade de uma pessoa
branca não é retirada pelo fato dela se identificar com essa cultura. No
entanto, é a nossa sociedade quem decide quem é branco ou não. Segundo Lia “quem
é branco no Brasil, não é necessariamente branco nos Estados Unidos. E quem é
branco na Zona Norte do Rio de Janeiro pode não ser branco na Zona Sul. Ou
seja, há uma ideia de superioridade civilizatória que esses indivíduos teriam
em relação aos outros. A gente sabe que não há nada de superior, não tem raça
de verdade. Há sim, uma construção social de relação de poder e força”.
Fotografia do filme Corra |
A racialização faz com que a sociedade
olhe para os negros como um grupo racializado, os índios como um grupo
racializado e os brancos como indivíduos. Não é de se espantar perguntar a um
branco qual raça dele e ele não saber responder. A cor da sua pele por si só já
o humaniza. A ideia de branquitude foi algo criado pelos colonizadores e que se
perpetua até hoje.
“Se 52% da população brasileira sofre
racismo, é porque tem a outra porcentagem inteira para legitimar essa estrutura
de poder.” – Lia Vainer Schucman.
Como o branco pode contribuir na luta
contra o racismo? Esse é um questionamento que perpetua há muito. No entanto,
não existe um “código de conduta” oficial. É preciso começar reconhecendo os
próprios privilégios, entender que o racismo é um problema social no Brasil,
não apenas uma falácia histórica, e ter capacidade para interpretar os códigos
e praticas racializadas.
Segundo Luciana Alves, mestre em educação
e técnica em Assuntos Educacionais na Unifesp (Universidade Federal de São
Paulo), praticar a escuta é uma das primeiras orientações dada por qualquer
especialista ou ativista. "Uma das principais coisas é atenção à
linguagem. A gente tem uma linguagem sexista, racista, homofóbica, que passa
pelas piadas, mas passa pelo uso de termos que a gente já naturalizou. ‘A coisa
tá preta’, ‘denegrir’, ‘serviço de preto’... Só o fato de você prestar atenção
na linguagem já anuncia uma postura de reconstrução. Se o outro diz que tem uma
carga negativa e ofensiva, acredite”, diz Luciana Alves.
É importante visibilidade e valor ao
trabalho de pessoas negras, seja consumindo, contratando serviços ou até mesmo
indicando para um emprego. Afinal, é natural você indicar um branco, então não
deveria parecer cota indicar um negro. Trabalhar uma educação antirracista em
casa, a representatividade através de personagens de livros e bonecos, permitir
que outras crianças negras convivam com crianças brancas e se posicionar diante
de piadas, situações e comportamentos racistas.
A jornalista Rosane Borges diz que “Lugar
de fala não deve se confundir com representação. Uma pessoa branca não pode
representar uma pessoa negra. Mas do lugar de fala dela, de onde ela vê o
mundo, é responsabilidade dela, sim, falar sobre racismo”. Então, fica a fica!
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