quinta-feira, 10 de outubro de 2019

Por que a prática do “blackface” é errada?


Você provavelmente já deve ter ouvido falar em “blackface”, prática conhecida por pintar a pele de preto. A expressão vem do inglês e é praticada pelo menos há 200 anos. Muitos acreditam que se iniciou por volta de 1830, em Nova York.
Essa prática tinha como objetivo ridicularizar pessoas negras para entretenimento dos brancos. Era muito comum que piadas e estereótipos negativos fossem associados aos negros, principalmente nos Estados Unidos ou Europa.

Diversão para os brancos
No século 19, atores brancos costumavam pintar o rosto de preto para se apresentar em espetáculos humorísticos. Eles interpretavam os negros com comportamentos exagerados, que julgavam estar associados a eles, além de ridicularizarem seus sotaques. Nesse período, negros não eram autorizados subir em palcos nem atuarem por conta da cor de sua pele.
Durante o século 20, as coisas ainda permaneciam do mesmo jeito. Mesmo que os papéis exigissem uma aparência africana ou até mesmo asiática, eles eram interpretados por atores brancos praticando “blackface”. Geralmente, eram utilizados carvões, rolhas queimadas e outros produtos para pintar o rosto e partes do corpo de preto. Para a boca, utilizavam um vermelho intenso para satirizar lábios grossos.
A prática continuou sendo um sucesso por muito tempo em programas de TV e teatro. A BBC, por exemplo, tinha um programa chamado The Black and White Minstrel Show que durou de 1958 a 1978. Sua audiência era tão grande que chegou a atingir 16 milhões de espectadores, o que lhe rendeu o prêmio Golden Rose of Montreux, em 1961. Foram 20 anos ridicularizando, humilhando e zombando pessoas negras através de estereótipos negativos e totalmente desrespeitosos.
Após o fim da escravidão nos Estados Unidos, em 1865, mesmo com os negros sendo livres, senhores brancos queriam continuar mantendo a desigualdade. Para isso, começam a divulgar outra imagem onde o negro é visto não somente como ridículo e infantil como também perigoso e não confiável.

Foto retirada do site Bunk History


Existe um filme chamado “O nascimento de uma nação” (1965), de D.W. Griffith, que é considerado o primeiro filme de linguagem clássica do cinema. Foi o primeiro filme a ser exibido na Casa Branca e contava a história de homens negros sendo interpretados por homens brancos. Nele, os homens negros eram retratados como estúpidos e de comportamento sexual agressivo. Ao fim, os heróis do filme eram os membros do Ku Klux Klan.

Pelo fim do “blackface”
No entanto, devido o crescente empoderamento negro através de movimentos antirracistas da época, o “blackface” foi perdendo força e sendo eliminado como prática de entretenimento para brancos e, hoje, é visto como uma atitude racista e vergonhosa.
Embora a prática do “blackface” fosse menos comum no Brasil do que nos Estados Unidos, existiram alguns personagens como a “Nega Maluca” que, infelizmente, ainda pode ser vista esporadicamente no carnaval. Um dos casos mais famosos foi “A Cabana do Pai Tomás”, uma novela de 1969, em que o ator Sérgio Cardoso, branco, interpretava o escravo Tomás.
Tudo isso em detrimento de uma população que passou séculos sendo tratada em condições sub-humanas a serviço de senhores brancos, em nome de seus enriquecimentos. Kehinge Andrews, da Birmingham City University, no Reino Unido, diz que "o 'blackface' tem raízes no racismo, que está ligado ao medo de pessoas negras e à ridicularização delas". Ela acrescenta: "É um problema racial de longa data na Europa. Você percebe desde os tempos de Shakespeare a figura dos brancos escurecendo a pele."
O caso mais recente de “blackface” que veio à tona foi a de fotografias do primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, com o rosto pintado de marrom e preto, durante sua adolescência, no começo da década 1990 e 2001. Conhecido por ser um político pró-diversidade, Trudeau admitiu as práticas e se desculpou, afirmando que “por vir de um lugar privilegiado”, tinha então “um ponto cego” sobre o próprio preconceito.


O primeiro-ministro do Canadá Justin Trudeau com maquiagem 'brownface' em uma festa em 2001 Foto: HO / AFP
A professora de História da UFF Martha Abreu, especialista no estudo de “blackface”, disse que “na década de 1980, uma atitude como a de Trudeau já seria muito mal vista e percebida como racista nos Estados Unidos, ainda mais num ambiente educativo”.
“Imagino que ele, como um homem branco ocidental, fez uso dos seus privilégios para se ‘fantasiar’ de negro e árabe sem pensar no que isso representava. Mas também considero importante a atitude dele, agora como homem adulto e figura pública, de reconhecer o significado das suas ações e se arrepender publicamente disso. Essa atitude demonstra que é possível entender que o racismo é uma construção. Para lutar contra ele é necessário, primeiro, reconhecer que ele existe, e, logo em seguida, tomar medidas antirracistas.” Afirma a sua colega, também professora da História da UFF Ynaê Lopes dos Santos.

Referências
G1
Geledés

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