Você provavelmente já deve ter ouvido
falar em “blackface”, prática conhecida por pintar a pele de preto. A expressão
vem do inglês e é praticada pelo menos há 200 anos. Muitos acreditam que se
iniciou por volta de 1830, em Nova York.
Essa prática tinha como objetivo
ridicularizar pessoas negras para entretenimento dos brancos. Era muito comum
que piadas e estereótipos negativos fossem associados aos negros,
principalmente nos Estados Unidos ou Europa.
Diversão
para os brancos
No século 19, atores brancos costumavam
pintar o rosto de preto para se apresentar em espetáculos humorísticos. Eles
interpretavam os negros com comportamentos exagerados, que julgavam estar associados a eles, além de ridicularizarem seus sotaques. Nesse período, negros
não eram autorizados subir em palcos nem atuarem por conta da cor de sua pele.
Durante o século 20, as coisas ainda
permaneciam do mesmo jeito. Mesmo que os papéis exigissem uma aparência
africana ou até mesmo asiática, eles eram interpretados por atores brancos
praticando “blackface”. Geralmente, eram utilizados carvões, rolhas queimadas e
outros produtos para pintar o rosto e partes do corpo de preto. Para a boca,
utilizavam um vermelho intenso para satirizar lábios grossos.
A prática continuou sendo um sucesso por
muito tempo em programas de TV e teatro. A BBC, por exemplo, tinha um programa
chamado The Black and White Minstrel Show que durou de 1958 a 1978. Sua
audiência era tão grande que chegou a atingir 16 milhões de espectadores, o que
lhe rendeu o prêmio Golden Rose of Montreux, em 1961. Foram 20 anos
ridicularizando, humilhando e zombando pessoas negras através de estereótipos
negativos e totalmente desrespeitosos.
Após o fim da escravidão nos Estados
Unidos, em 1865, mesmo com os negros sendo livres, senhores
brancos queriam continuar mantendo a desigualdade. Para isso, começam a
divulgar outra imagem onde o negro é visto não somente como ridículo e infantil
como também perigoso e não confiável.
Foto retirada do site Bunk History |
Existe um filme chamado “O nascimento de
uma nação” (1965), de D.W. Griffith, que é considerado o primeiro filme de
linguagem clássica do cinema. Foi o primeiro filme a ser exibido na Casa Branca
e contava a história de homens negros sendo interpretados por homens brancos.
Nele, os homens negros eram retratados como estúpidos e de comportamento sexual
agressivo. Ao fim, os heróis do filme eram os membros do Ku Klux Klan.
Pelo fim do “blackface”
No entanto, devido o crescente
empoderamento negro através de movimentos antirracistas da época, o “blackface”
foi perdendo força e sendo eliminado como prática de entretenimento para
brancos e, hoje, é visto como uma atitude racista e vergonhosa.
Embora a prática do “blackface” fosse
menos comum no Brasil do que nos Estados Unidos, existiram alguns personagens
como a “Nega Maluca” que, infelizmente, ainda pode ser vista esporadicamente no
carnaval. Um dos casos mais famosos foi “A Cabana do Pai Tomás”, uma novela de
1969, em que o ator Sérgio Cardoso, branco, interpretava o escravo Tomás.
Tudo isso em detrimento de uma população
que passou séculos sendo tratada em condições sub-humanas a serviço de senhores
brancos, em nome de seus enriquecimentos. Kehinge Andrews, da Birmingham City
University, no Reino Unido, diz que "o 'blackface' tem raízes no racismo,
que está ligado ao medo de pessoas negras e à ridicularização delas". Ela
acrescenta: "É um problema racial de longa data na Europa. Você percebe
desde os tempos de Shakespeare a figura dos brancos escurecendo a pele."
O caso mais recente de “blackface” que
veio à tona foi a de fotografias do primeiro-ministro do Canadá, Justin
Trudeau, com o rosto pintado de marrom e preto, durante sua adolescência, no
começo da década 1990 e 2001. Conhecido por ser um político pró-diversidade,
Trudeau admitiu as práticas e se desculpou, afirmando que “por vir de um lugar
privilegiado”, tinha então “um ponto cego” sobre o próprio preconceito.
O primeiro-ministro do Canadá Justin Trudeau
com maquiagem 'brownface' em uma festa em 2001 Foto: HO / AFP
|
“Imagino que ele, como um homem branco
ocidental, fez uso dos seus privilégios para se ‘fantasiar’ de negro e árabe
sem pensar no que isso representava. Mas também considero importante a atitude
dele, agora como homem adulto e figura pública, de reconhecer o significado das
suas ações e se arrepender publicamente disso. Essa atitude demonstra que é
possível entender que o racismo é uma construção. Para lutar contra ele é
necessário, primeiro, reconhecer que ele existe, e, logo em seguida, tomar
medidas antirracistas.” Afirma a sua colega, também professora da História da
UFF Ynaê Lopes dos Santos.
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