sexta-feira, 11 de outubro de 2019

A ausência de negros na dramaturgia e a importância do Teatro Experimental Negro


Com o objetivo de valorizar o negro socialmente e a cultura afro-brasileira por meio da educação e arte, o Teatro Experimental Negro (TEN) surgiu em 1944, no Rio de Janeiro, e teve como seu idealizador Abdias do Nascimento (1914-2011). Além disso, havia o desejo de criar um novo estilo dramatúrgico, com estética própria, fora dos padrões produzidos em outros países.
Partia de Abdias uma inquietação pela ausência do negro e temas sensíveis que faziam parte da história da população negra nas representações teatrais brasileiras. Quando o negro tinha oportunidade em aparecer no meio cênico, a ele era dado papéis secundários, pejorativos e estereotipados. Inclusive, comentamos no post anterior sobre esses estereótipos criados sobre os negros nas práticas do “blackface”. Confere lá!
Por isso, a importância do TEN para a promoção do protagonismo negro. Abdias dizia que o negro era rejeitado como “personagem e intérprete, e de sua vida própria, com peripécias específicas no campo sociocultural e religioso, como temática da nossa literatura dramática.” (Nascimento, 2004, p. 210).

Quem fazia parte
Abdias contou com o apoio de amigos e intelectuais brasileiros que de imediato aderiram à proposta, como o advogado Aguinaldo de Oliveira Camargo, o pintor Wilson Tibério, Teodorico Santos e José Herbel. Logo em seguida, foram acompanhados pelo militante negro Sebastião Rodrigues Alves, Claudiano Filho, Oscar Araújo, José da Silva, Antonio Barbosa, Arlinda Serafim, Ruth de Souza, Mariana Gonçalves (as três trabalhavam como empregadas domésticas), Natalino Dionísio, entre outros. 


Abdias do Nascimento (à direita), atores do Teatro Experimental do Negro fazem a leitura da peça “Vigília do Pai João". Foto retirada site Memorial da Democracia


Faziam parte do TEN operários, empregados domésticos, moradores de favelas sem profissão definida e modestos funcionários públicos. O projeto ajudou os seus membros com cursos de alfabetização e de iniciação à cultura geral, além de noções de teatro e interpretação, dividindo-se em aulas, debates e exercícios práticos.
Com a ajuda do escritor Aníbal Machado (1894-1964) foi possível realizar as atividades culturais e ensaios em salões e restaurantes da sede da União Nacional dos Estudantes (UNE) após o término das atividades estudantis. Dessa forma, o TEN começou a criar uma identidade negra e formar o próprio elenco, o que antes era bastante comum em 1940 ter um público habituado a ver atores brancos se pintando de preto para interpretarem personagens negros.
Naquela época, era difícil encontrar textos que refletissem a situação do negro no Brasil. Abdias queria encontrar um texto onde o negro pudesse ser visto como “herói” da “epopeia afro-brasileira”. Nos repertórios nacionais só eram encontrados textos que mostravam o negro como cômico, pitoresco ou figura decorativa. Diante desse fato, o grupo resolveu interpretar o texto “O Imperador Jones”, de Eugene O’Neill.



Embora estivesse em contexto estadunidense, o texto estava dentro da perspectiva que o TEN procurava abordar. O’Neill simpatizou-se com a iniciativa e reconheceu a similaridade entre o teatro no Brasil da década de 1940 e o teatro estadunidense de duas décadas atrás. Sendo assim, cedeu os direitos autorais ao TEN.
Nunca antes em toda história um negro havia pisado no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, seja como interprete ou até mesmo como público. Então, no dia 8 de de maio de 1945, o TEN veio para quebrar esse paradigma e estreou com sua peça. O grupo ainda interpretou outro texto de O’Neill chamado “Todos os filhos de Deus têm asas”. Depois, seguiram criando e encenando textos que tivessem mais a cara e representação da vida do afro-brasileiro.

O Teatro Experimental Negro para além da dramaturgia
O TEN ultrapassou as barreiras da dramaturgia e empreendeu também em ações sociais, criando um concurso de beleza para mulheres negras e um concurso de artes plásticas com o tema Cristo Negro. Promoveu também a Convenção Nacional do Negro e o 1º Congresso do Negro Brasileiro, além da Semana do Negro e do Jornal Quilombo.
Vale lembrar que o TEN foi impedido pelo próprio governo duas vezes de participar de festivais negros internacionais. A historiadora Miriam Garcia Mendes fala que “os movimentos de vanguarda, e o TEN era um deles, sempre enfrentaram grandes dificuldades, não só por falta de apoio oficial, como pela natural reação do público […] habituado às comédias de costumes inconsequentes ou dramas convencionais”.
Segundo Abdias do Nascimento: “O Teatro Experimental do Negro é um processo. A negritude é um processo. Projetou-se a aventura teatral afro-brasileira na forma de uma antecipação, uma queima de etapas na marcha da história. Enquanto o negro não desperta completamente do torpor em que o envolveram. Na aurora do seu destino, o Teatro Negro do Brasil ainda não disse tudo ao que veio”.
Sem dúvidas, o Teatro Experimental Negro foi de extrema importância para a valorização e questionamentos da ausência de negros na dramaturgia, embora não tenha atingido tamanha importância social à época.

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