Com o objetivo de valorizar o negro
socialmente e a cultura afro-brasileira por meio da educação e arte, o Teatro
Experimental Negro (TEN) surgiu em 1944, no Rio de Janeiro, e teve como seu
idealizador Abdias do Nascimento (1914-2011). Além disso, havia o desejo de
criar um novo estilo dramatúrgico, com estética própria, fora dos padrões
produzidos em outros países.
Partia de Abdias uma inquietação pela
ausência do negro e temas sensíveis que faziam parte da história da população
negra nas representações teatrais brasileiras. Quando
o negro tinha oportunidade em aparecer no meio cênico, a ele era dado papéis
secundários, pejorativos e estereotipados. Inclusive, comentamos no post
anterior sobre esses estereótipos criados sobre os negros nas práticas do
“blackface”. Confere lá!
Por isso, a importância do TEN para a
promoção do protagonismo negro. Abdias dizia que o negro era rejeitado como “personagem
e intérprete, e de sua vida própria, com peripécias específicas no campo
sociocultural e religioso, como temática da nossa literatura dramática.” (Nascimento,
2004, p. 210).
Quem
fazia parte
Abdias contou com o apoio de amigos e
intelectuais brasileiros que de imediato aderiram à proposta, como o advogado
Aguinaldo de Oliveira Camargo, o pintor Wilson Tibério, Teodorico Santos e José
Herbel. Logo em seguida, foram acompanhados pelo militante negro Sebastião
Rodrigues Alves, Claudiano Filho, Oscar Araújo, José da Silva, Antonio Barbosa,
Arlinda Serafim, Ruth de Souza, Mariana Gonçalves (as três trabalhavam como
empregadas domésticas), Natalino Dionísio, entre outros. Abdias do Nascimento (à direita), atores do Teatro Experimental do Negro fazem a leitura da peça “Vigília do Pai João". Foto retirada site Memorial da Democracia |
Faziam parte do TEN operários, empregados domésticos, moradores de favelas sem profissão definida e modestos funcionários públicos. O projeto ajudou os seus membros com cursos de alfabetização e de iniciação à cultura geral, além de noções de teatro e interpretação, dividindo-se em aulas, debates e exercícios práticos.
Com a ajuda do escritor Aníbal Machado
(1894-1964) foi possível realizar as atividades culturais e ensaios em salões e
restaurantes da sede da União Nacional dos Estudantes (UNE) após o término das
atividades estudantis. Dessa forma, o TEN começou a criar uma identidade negra
e formar o próprio elenco, o que antes era bastante comum em 1940 ter um
público habituado a ver atores brancos se pintando de preto para interpretarem
personagens negros.
Naquela época, era difícil encontrar
textos que refletissem a situação do negro no Brasil. Abdias queria encontrar
um texto onde o negro pudesse ser visto como “herói” da “epopeia
afro-brasileira”. Nos repertórios nacionais só eram encontrados textos que mostravam
o negro como cômico, pitoresco ou figura decorativa. Diante desse fato, o grupo
resolveu interpretar o texto “O Imperador Jones”, de Eugene O’Neill.
Embora estivesse em contexto
estadunidense, o texto estava dentro da perspectiva que o TEN procurava
abordar. O’Neill simpatizou-se com a iniciativa e reconheceu a similaridade
entre o teatro no Brasil da década de 1940 e o teatro estadunidense de duas
décadas atrás. Sendo assim, cedeu os direitos autorais ao TEN.
Nunca antes em toda história um negro havia
pisado no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, seja como interprete ou até mesmo
como público. Então, no dia 8 de de maio de 1945, o TEN veio para quebrar esse
paradigma e estreou com sua peça. O grupo ainda interpretou outro texto de
O’Neill chamado “Todos os filhos de Deus têm asas”. Depois, seguiram criando e
encenando textos que tivessem mais a cara e representação da vida do
afro-brasileiro.
O
Teatro Experimental Negro para além da dramaturgia
O TEN ultrapassou as barreiras da
dramaturgia e empreendeu também em ações sociais, criando um concurso de beleza
para mulheres negras e um concurso de artes plásticas com o tema Cristo Negro.
Promoveu também a Convenção Nacional do Negro e o 1º Congresso do Negro
Brasileiro, além da Semana do Negro e do Jornal Quilombo.
Vale lembrar que o TEN foi impedido pelo
próprio governo duas vezes de participar de festivais negros internacionais. A
historiadora Miriam Garcia Mendes fala que “os movimentos de vanguarda, e o TEN
era um deles, sempre enfrentaram grandes dificuldades, não só por falta de
apoio oficial, como pela natural reação do público […] habituado às comédias de
costumes inconsequentes ou dramas convencionais”.
Segundo Abdias do Nascimento: “O Teatro
Experimental do Negro é um processo. A negritude é um processo. Projetou-se a
aventura teatral afro-brasileira na forma de uma antecipação, uma queima de
etapas na marcha da história. Enquanto o negro não desperta completamente do
torpor em que o envolveram. Na aurora do seu destino, o Teatro Negro do Brasil
ainda não disse tudo ao que veio”.
Sem dúvidas, o Teatro Experimental Negro
foi de extrema importância para a valorização e questionamentos da ausência de negros
na dramaturgia, embora não tenha atingido tamanha importância social à época.
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