segunda-feira, 30 de março de 2020

A ausência do Estado e as populações vulneráveis

Já sabemos que o Coronavírus está avançando no Brasil. Até o momento, temos 4.256 casos e 136 mortes confirmadas pelo Ministério da Saúde. Não é novidade que o Governo Federal tem deixado a desejar em suas atitudes para prevenir mais casos de pessoas contaminadas pelo vírus. Na maioria dos estados brasileiros, principalmente na região Nordeste, os governadores têm implementado medidas mais responsáveis de proteção para a população. Em muitos casos, sem a aprovação e/ou colaboração do presidente.
O nosso questionamento gira em torno do que se tem feito para ajudar as populações mais vulneráveis das comunidades, periferias, comunidades quilombolas, entre outros. Pessoas em situação de pobreza são as mais afetadas pela pandemia. Embora ocorra uma grande divulgação através das redes sociais ou meios de comunicação como televisão, jornal ou rádio, até que ponto chega a ser efetivo esse diálogo?
Grande parte das comunidades e regiões periféricas não possuem acesso ao básico: água potável. Como é possível pedir para que essas pessoas mantenham sua higiene pessoal se nem o mínimo é entregue pelo Estado? A opção de teletrabalho, o famigerado “home office”, é quase impraticável tendo em vista que a maioria dessas pessoas vivem de trabalho informal e precisam ir às ruas todos os dias para garantir alimentação e o pagamento de suas contas. Se quase não sobra dinheiro no fim do mês para arcar com as contas, como terão acesso a álcool em gel, por exemplo?


Comunidade - Foto retirada do site A Gazeta

São das comunidades e periferias que saem as domésticas, porteiros, motoristas, cobradores, entregadores etc. É essa mesma população que precisa de auxílio do Estado para enfrentar uma pandemia. Aqui, ainda não estamos levando em consideração milhares de crianças e jovens que tiveram suas aulas suspensas e usam essas instituições como uma extensão de casa para poderem se alimentar ao menos uma vez ao dia.
Pede-se o isolamento social quando há suspeita de contaminação pelo vírus. Em algumas casas há somente um ou dois cômodos, além disso muitas casas são bastante próximas uma das outras. Por mais que haja indicações de higiene com álcool em gel e máscaras, conseguir tais materiais é quase impossível.


Quem são os privilegiados e os vulneráveis?
Casos como o da idosa de 62 anos que era empregada doméstica de uma família há mais de 20 anos no bairro do Leblon (RJ) refletem e muito as posições que cada ser humano ocupa na sociedade ao definir quem são os grupos mais privilegiados e os mais vulneráveis. A idosa era hipertensa e diabética. Sua patroa havia voltado recentemente da Itália e estava reclusa no apartamento em que vivia desde que havia voltado de viagem. Ela não tinha noção que a patroa poderia estar com coronavírus e seguiu sua jornada de trabalho normalmente.
Na sexta-feira (13), ela começou a se sentir mal. Na segunda-feira (16), precisou ser socorrida para o hospital e só depois de uma ligação de sua patroa para a família informando que possivelmente estava infectada com coronavírus foi que todos puderam ter noção que o estado da idosa era mais grave do que se imaginava. Infelizmente, ela veio a falecer horas depois.
Embora não tenhamos informações se a moradora do Leblon sabia ou não que havia contraído o vírus, ela permaneceu reclusa em sua residência, mas não informou em nenhum momento para a sua empregada o risco que ela poderia estar correndo entrando em contato direto com ela. Da idosa, foi roubado o direito de seguir a vida; de seus familiares e amigos, o direito de convívio e afeto. Quem vai devolver isso?

Comunidades quilombolas
Em uma entrevista coletiva, Luiz Henrique Mandetta, o ministro da Saúde, informou que o Sistema Único de Saúde (SUS) estava presente em todo território brasileiro. “Eu não tenho uma cidadezinha, não tem uma comunidade quilombola, ou indígena, que não tenha o SUS. Nós podemos ter dificuldade, mas o sistema de saúde vai estar ao lado dos 215 milhões de brasileiros”, afirmou.
Não é bem assim que pensa Manuel dos Santos, do quilombo Mumbaça, em Traipu (AL). Em entrevista ao site Alma Preta, o quilombola afirmou que “em nenhum dos quilombos de Alagoas até o momento há um caso. Se chegar, a gente morre pois em nenhuma comunidade tem como se tratar do caso ou ser atendidos por médicos”.
Os quilombolas recebem atendimento do SUS esporadicamente. O maior medo dessas comunidades é de não poder conter a pandemia usando os conhecimentos de sua medicina. Alguns quilombos já adotaram as práticas de isolamento para que não sejam atingidos pelo vírus, evitando áreas urbanas e fechando as comunidades turísticas.


Quilombo - Foto retirada do site Wikipédia

E o Estado?
Se a saúde é um direito de todos e o Estado tem como obrigação garantir políticas sociais e econômicas para reduzir o risco de doenças além do acesso universal e igualitário, por que esse mesmo Estado não é acessível a toda sociedade? Será que a constituição só vale para alguns? Até o momento, não vimos nenhuma divulgação do Ministério da Saúde sobre quais ações podem ser feitas para proteger essas populações mais vulneráveis.
É a população pobre e preta que mais sofre no Brasil e pelo fato dessa mesma população não poder esperar por iniciativas do governo, ela se une, se mobiliza e luta pra conseguir resistir.


Ações nas periferias
Em algumas periferias da cidade de São Paulo existem projetos de distribuição de alimentos orgânicos e mapeamento das famílias que estão mais vulneráveis. Alguns dos alimentos que seriam descartados por restaurantes que se encontram fechados serão entregues a moradores periféricos. Agricultores do interior do estado oferecerão cestas de alimentos sem agrotóxicos para distribuir a quem se encontra em situação de vulnerabilidade social.
Para um dos parceiros do projeto, Dilmas Reis Gonçalves, do Preto Império, a chance de pessoas pobres e negras serem vulneráveis ao COVID-19 se deve ao fato de que elas não possuem uma boa alimentação, levando-os a baixa imunidade.
O grupo Pertim contribui arrecadando fundos para comprar de pequenos agricultores e distribuir para aqueles que se encontram vulneráveis diante a situação atual do COVID-19.
Outro projeto que surgiu também na cidade de São Paulo conta com uma vaquinha online que oferece um auxílio de R$ 300 para famílias em maior situação de vulnerabilidade. Há uma fila de espera e o mapeamento é feito de acordo com as condições socioeconômica de cada família. O projeto é uma iniciativa dos coletivos IFE, Luar, Bloco do Beco, Sarau do Binho e Passo à Frente.
Uma campanha organizada pela União de Núcleos de Educação Popular para População Negra (Uneafro) visa ajudar comunidades periféricas tanto de São Paulo, como do Rio de Janeiro frente aos impactos gerados pelo COVID-19. Uma vaquinha online está sendo feita para comprar materiais de higiene e alimentação básica para pessoas de 31 comunidades entre os dois estados.
Um grupo formado por pessoas da periferia criou a campanha #CoronaNasPeriferias com o intuito de levar mais informação para as suas comunidades. Inclusive, há uma coalizão nacional de enfrentamento ao vírus. Para participar basta se inscrever pelos site www.coronanasperiferias.com.br. Há também uma campanha nas redes sociais, principalmente no Twitter, que conta as situações nas periferias, violações e possíveis soluções com a hastag #COVID19NasFavelas.

Referências
Alma Preta 1
Alma Preta 2
Negócios

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