terça-feira, 7 de janeiro de 2020

Racismo algorítmico e como ele funciona

Que a internet se tornou uma das principais ferramentas de comunicação do mundo, isso é fato. Inclusive, ela proporcionou que movimentos sociais pudessem se reunir a partir das plataformas de mídias sociais, trazendo benefícios para a luta contra o racismo. Hoje, é possível enxergar a comunidade negra com mais acesso à informação, mais unida e fortalecida, seja compartilhando afeto preto ou suas dores. No entanto, meio a essa era da superinformação também existe barreiras para serem quebradas, por exemplo, o racismo algorítmico.
Você já ouviu falar em “racismo algorítmico? Segundo Sil Bahia, Mestre em Cultura e Territorialidades pela Universidade Federal Fluminense, em entrevista ao site Hypeness, “o racismo algoritmo ocorre quando sistemas matemáticos ou de inteligência artificial são pautados por informações enviesadas/tortas que alimentam e regem seu funcionamento. As consequências são muitas, mas talvez a maior delas seja o aumento de desigualdades, sobretudo em um momento onde estamos cada vez mais tendo muitos dos nossos gostos e políticas mediadas por máquinas, com o avanço da tecnologia”.


Sil Bahia – Foto retirada do site Hypeness
Tarcízio Silva, autor dos livros “Estudando Cultura e Comunicação em Mídias Sociais” (2018) e “Para Entender o Monitoramento de Mídias Sociais” (2012), critica os algoritmos e as mídias sociais sobre os vários tipos de discriminação que eles geram, como racismo e misoginia. Segundo o pesquisador, “na maioria dos casos não os algoritmos em si, mas os sistemas onde são empregados podem ter resultados racistas e discriminatórios. Elaboro o conceito de ‘racismo algorítmico’ para descrever como interfaces e sistemas automatizados, tais como plataformas de mídias sociais, podem reforçar e, pior, ocultar as dinâmicas racistas das sociedades onde são usados e empregados”.
“Como sociedades racistas constroem consequentemente tecnologias com potenciais ou aplicações discriminatórias”, frisa Silva ao se referir que o problema não está no algoritmo em si.

Exemplos de algoritmos racistas
Inúmeros podem ser os  exemplos de como esses algoritmos agem de forma discriminatória, propagando a invisibilidade do negro. Silva lembra de um vídeo que viralizou em 2009, onde o software da HP não conseguia identificar os rostos de pessoas negras. Isso aconteceu há dez anos, mas situações como essas ainda persistem.

Outro exemplo aconteceu nos Estados Unidos quando um computador foi desenvolvido para identificar possíveis reincidentes criminais. Uma análise feita pela agência norte-americana ProPublica mostrou que o algoritmo identificava que entre 7 mil detentos, os de pele negra tinham mais chances de cometer crimes novamente se comparado com os brancos. Acontece que 45% dos réus negros considerados de “alto risco” não voltaram a cometer crimes, o que comprova o quão racista pode ser considerado esses algoritmos.
Se partirmos para o campo da saúde, temos como exemplo um algoritmo usado por hospitais e seguradoras para ajudar a administrar as condições de saúde dos seus pacientes. Acontece que pesquisadores americanos descobriram que o sistema também agia de maneira discriminatória, onde pessoas negras eram impedidas de terem acesso a cuidados de saúde necessários.
Publicado pela revista Science, o resultado da pesquisa mostrou que pessoas negras com as mesmas necessidade ou tão doentes quanto pessoas brancas tinham menos chances de serem encaminhadas para programas com necessidade médicas complexas. As pessoas negras tinham classificações de risco mais baixas.
O próprio Google apontou uma postura racista ao associar “tranças bonitas” a pessoas brancas e “tranças feias “ a pessoas negras. O assunto gerou um grande debate nas redes sociais. Inclusive, convidamos você a fazer o teste abrindo uma aba de imagens para tranças bonitas e outra para tranças feias.

Foto reprodução da internet

Como mudar essa realidade?
É preciso criar ambientes empresariais de tecnologia mais diversos. Estamos cercados por um mercado onde negros são exceções e fazem parte de setores menos expressivos. Nesse sentido, fica difícil ter uma visão antirracista quando tudo que é feito é criado por homens, brancos e héteros. A diversidade contribui para questões sociais e de inclusão que estruturam a sociedade.
“Sempre a vejo como uma faca de dois gumes, onde por um lado conseguimos nos conectar, produzir conteúdo que fortaleça a identidade negra, porém, ao mesmo tempo, quando olhamos para os dados percebemos que o que acontece no offline é reproduzido no online. Mulheres negras são as que mais sofrem com exposição na internet, violações de direitos e por aí vai. Acho que para virar o jogo precisamos estimular que as pessoas queiram entender melhor sobre esses processos e não do ponto de vista técnico, mas principalmente sobre os impactos. É importante reforçar sempre que tecnologia não é neutra, que reproduz comportamentos, visões de mundo, cultura de quem as cria, e sabemos que as tecnologias que usamos são em sua maioria criadas por homens, brancos, heterossexuais do hemisfério norte”, destaca Sil Bahia.
Dados coletados em 2016 pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) mostram a falta de inserção do negro no mercado de tecnologia. Cerca de 92% dos setores de engenharia de equipamento em computação tem predominância branca. A maioria dos negros ainda está presa ao mercado informal e 50% deles são empreendedores, segundo o Sebrae Brasil.

Referências
Géledes
Hypeness
Olhar Digital   

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