sexta-feira, 29 de novembro de 2019

O encarceramento em massa como um sistema de segregação

Será que pessoas negras cometem mais crimes que pessoas brancas? Vale refletir sobre o foco policial em um determinado grupo e crimes. O estado de São Paulo, por exemplo, é o que mais prende pessoas negras no país. Sua representação nacional refere-se a 30% dos habitantes. No sistema prisional, esse número retrata 54% dos negros, sendo que a média nacional equivale a 292 encarcerados a cada grupo de 100 mil negros. Lá, são 514 por 100 mil. Esses dados encontram-se no Mapa do Encarceramento de 2016.
“O que eu chamo de regulação não são agências que instituem regras pactuadas com o mercado. Regulação envolve as normas, o direito, e também as regras ocultas de funcionamento do sistema. Ou seja, o racismo é um modo de regulação desigual, em uma sociedade de conflitos“, afirma o professor de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Universidade Mackenzie e Presidente do Instituto Luiz Gama, Silvio Almeida, referindo-se a como o racismo institucional funciona via agente regulador.
O Índice de Vulnerabilidade Juvenil (IVJ) – Violência e Desigualdade Racial (Ipea) coletou dados de 2005 a 2015 que mostram que a cada 100 pessoas que sofrem homicídio no país, 71 delas são negras. Além disso, jovens e negros do sexo masculinos continuam sendo assassinados como se estivessem em situação de guerra.
O período escravocrata no Brasil permitiu que mesmo após a abolição, a população negra continuasse sendo vista de forma excludente por uma sociedade claramente racista. O encarceramento em massa é uma forma de segregação racial, usado pela polícia como uma forma de justiça criminal.
A nossa justiça funciona de forma seletiva, prova disso estão em dados. A pesquisadora Giane Silvestre, do Núcleo de Estudos sobre Violência e Administração de Conflitos da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), mostra que 40% dos negros que estão presos encontram-se em situação provisória, assim sendo julgados pelos policiais que o prenderam, não por um juiz. Ela afirma que “sabemos que nosso sistema de Justiça trabalha de forma seletiva. Podemos refletir sobre como funciona o policiamento a partir desses dados. Existe uma profunda desigualdade no encarceramento em massa de negros, e esse racismo está na forma como as instituições funcionam e como orientam os trabalhadores. Quando o policial resolve fazer uma abordagem, tem relação com o seu sistema de aprendizado”.

O encarceramento em dados
O Ministério Público condenou por todas as acusações feitas 71% dos negros que foram julgados. Isso equivale a 2.043 réus. Se compararmos com os brancos, esse número é menor, indo para 67%, ou seja, 1.097 condenados. A frequência entre negros e brancos em absolvição até pode ser similar, tendo respectivamente 11% e 10,8%, no entanto na desclassificação para “posse de drogas para consumo pessoal” os brancos possuem 50% a seu favor, sendo 7,7% entre brancos e 5,3% entre negros.

A pesquisadora Isadora Brandão, do Núcleo de Diversidade e Igualdade Racial da Defensoria Pública de São Paulo, que analisou dados do levantamento exclusivo pontuou: “Mesmo o fato do acusado ser negro ou branco não constar explicitamente como um dado para fundamentar uma decisão judicial, o que a gente percebe olhando os dados é que há uma criminalização maior dos negros”.
Os negros também são os mais processados por tráfico ainda que possuam quantidades menores, seja de maconha, cocaína ou crack. A matéria do site Outras Palavras mostra que, em média, foram apreendidas 85 gramas de maconha, 27 gramas de cocaína e 10,1 gramas de crack de réus brancos. Já os réus negros, a quantidade foi de 65 gramas de maconha, 22 gramas de cocaína e 9,5 gramas de crack.




Será que a Justiça está realmente preocupada com o fim da insegurança ou ela apenas cria um sistema segregador e atribui a culpa a moradores de favelas e periféricos, justificando através dos abusos de autoridade e violações à população carcerária a sua hipocrisia e discriminação? Há quem alegue que o encarceramento em massa da população negra se deva a maior quantidade de negros no Brasil, mas por que esse número não reflete quando tratamos de acesso à saúde, educação, moradia e segurança? Esse percurso histórico é conhecido e deixou heranças bastante doloridas e difíceis de serem combatidas em uma sociedade racista.
Pra quem curte audiovisual, vale assistir a série “Olhos que condenam” da Netflix. É só mais um retrato da justiça criminal que ocorre mundo afora, em especial os que deixaram sua marca colonizadora e escravagista.

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