quinta-feira, 19 de março de 2020

A era das referências infantis racistas e estereotipadas


Durante a infância, quem não adorava assistir desenhos animados? Coisa boa era sentar na sala, esperar a animação favorita começar e ficar entretido a ponto de não se dar conta que o mundo corria lá fora. No entanto, muitas crianças, em especial as crianças negras, cresceram sem muitas referências quando o assunto era desenho animado.

A falta de personagens negros não ficava restrita apenas em animações, mas também em filmes. Quando havia um personagem negro, raramente ele era o principal da história. Para ele, restava o papel de melhor amigo do personagem branco ou até de vilão.

Muitas clássicos animados e filmes que assistíamos antigamente pareciam estranhos ou até passavam despercebidos. Não entendíamos bem, mas sempre soava um incômodo por algumas coisas só serem protagonizadas por personagens negros. Hoje, entendemos o quanto o racismo e o estereótipo projetado em alguns desenhos eram ofensivos.

Clássicos racistas e estereotipados


Em sua maioria, os personagens negros eram bastante estereotipados. Por exemplo, no desenho Tom e Jerry a empregada da casa, conhecida como Mammy Two Shoes (Mamãe Dois Sapatos) era negra, meia idade, gorda, boa cozinheira – nenhuma novidade. Ela só aparecia do pescoço para baixo. Seu corpo negro era totalmente estereotipado e ela só teve uma única aparição mostrando o rosto.

Além disso, o serviço de streaming Amazon Prime incluiu um comunicado antes dos episódios informando que o desenho possuía cenas de “preconceitos étnicos e raciais que já foram comuns na sociedade norte-americana”.



Mammy Two Shoes – Foto: reprodução da internet

Censored Eleven

Em 1968, houve o chamado Censored Eleven, onde 11 desenhos animados dos anos 30 e 40 foram retirados para sempre de circulação pela Warner Bros. Cartoons por conta de seus personagens negros estereotipados e situações preconceituosas e racistas. Neste período, a luta da comunidade negra pelos direitos civis estava em alta, figuras como Martin Luther King, Rosa Parks, entre outros, não admitiam tais representações. Na época, houve uma polêmica sobre o assunto, pois os animadores não consideravam que os desenhos eram de cunho preconceituoso, racistas ou estereotipados. Para eles, o fato de outros negros assistirem os desenhos e se divertirem era prova de que os questionamentos estavam errados.

Muitas animações tinham os gêneros musicais jazz e spirituals como trilha sonora. Isso fazia com que muitos cartunistas se considerassem amigos dos negros. Além do mais, os personagens tinham lábios grossos, eram preguiçosos, malandros, dóceis, gostavam de bebedeira, danças, festas, lascividade, eram indolentes, entre outras características típicas que eram referentes aos negros.

Como exemplo, temos o Pernalonga tentando fugir de caçador negro que se mostra incapaz de capturar o coelho por parecer preguiçoso.



Uma paródia negra de Branca de Neve e os Sete Anões que se passa durante a Segunda Guerra Mundial têm anões soldados e uma madrasta malvada, no entanto a personagem que é vista como a mocinha tem seu corpo totalmente hipersexualizado, o que dá a entender ter subordinado os inimigos com sexo.



Sítio do Pica-Pau Amarelo

Um clássico infantil brasileiro que tem a mesma representação da Mammy Two Shoes do Tom e Jerry é a Tia Nastácia do Sítio do Pica-Pau Amarelo. Tio Barnabé era tido como o negro dócil, gente boa e humilde, o Saci era o típico malandro e que vive zombando dos outros. Aliás, não é novidade que Monteiro Lobato era racista declarado e a favor do projeto eugenista no Brasil. O programa infantil chegou a ser exportado para Colômbia, Portugal e Itália. Era reconhecido internacionalmente por ser educativo. A Alemanha rejeitou o programa e fez críticas por Tia Nastácia e Tio Barnabé serem como escravos para Dona Benta. Em 1979, a Unesco chegou a considerar o Sítio do Pica-Pau Amarelo como um dos melhores programas infantis do mundo.

Tia Anastácia, Sítio do Pica-pau Amarelo – Foto: reprodução da internet

Personagens negros

Mas nossa infância não foi totalmente roubada por ideais brancos. Também pudemos desfrutar de alguns super-heróis negros que marcaram muita gente até hoje. Quem lembra da Tempestade do X-Men? Ela era considerada uma das líderes do grupo de mutantes e é uma das principais personagens da Marvel. O seu poder está em poder manipular o clima, conseguindo fazer chover, nevar, trovoar, furacões e outros fenômenos meteorológicos.

Tempestade, X-Men – Foto: reprodução da internet


O Super Choque era um adolescente nerd que ganhou superpoderes eletromagnéticos, podendo absorver, gerar e manipular energia.

Super Choque – Foto: reprodução da internet 

O Cyborg é membro dos Jovens Titãs que teve seu corpo reconstituído pelo seu pai por componentes cibernéticos após ter ficado ferido devido a uma invasão alienígena. Ele é um dos super-heróis mais icônicos da DC Comics.


Cyborg – Foto retirada do site Mensagens com amor

Além desses personagens, algumas pessoas devem lembrar do Luke Cage, Vixen, Blade, Lanterna Verde, Falcão, Raio Negro, Misty Knight, Manto, Diana (Caverna do Dragão), entre outros.

Novos tempos

Felizmente, as coisas estão mudando. Hoje, podemos enxergar mais nas telas. A representatividade tem feito seu papel e mostrado que ela, de fato, é importante. Poder se enxergar no outro é uma forma de criar identidade, ter referências e inspirações. O impacto da identificação tem poder para fazer crianças e adultos se sentirem parte do todo. E não somos?

Um exemplo dos avanços que a comunidade negra tem tido frente ao cenário audiovisual foi com o filme Pantera Negra. Direção, roteiro e elenco principal foram todos feitos por pessoas negras. Tamanho sucesso foi poder ver diversas salas de cinema lotadas negros ansiosos para se verem representados por outros negros. Desta vez, não éramos coadjuvantes, éramos principais, fortes, em destaque e com a representação da nossa cultura. Wakanda forever!
No início do ano, a animação Hair Love, do cineasta Matthew A. Cherry com a Sony Pictures Animation, venceu o Oscar na categoria Melhor Curta-metragem de animação. A trama mostra um pai afro-americano aprendendo a arrumar o cabelo crespo da filha pela primeira vez. Embora seja em inglês, há poucas falas e é possível entender todo o contexto da animação.




Que esses filmes e animações sigam cada vez mais comuns em nossas telas para que possamos nos enxergar, ser lembrados e cultivar o amor próprio. Se ver no outro, ter referências é fortalecer nossa própria identidade. É fortalecer nossa essência, seja através da nossa cultura ou de pessoas que nos mostrem que é possível, sim, alcançar o mais alto dos sonhos.


Referências
G1
Geledés
Nó de oito
Aficionados
Notícias da TV
Aventuras na História

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