quinta-feira, 19 de março de 2020

Abdias do Nascimento e sua contribuição para inserção do negro à sociedade

Poeta, teatrólogo, artista plástico, político, escritor, ativista social e um homem de importante contribuição para a história afro-brasileira, Abdias do Nascimento ajudou a fundar o Teatro Experimental Negro (TEN) e participou da Frente Negra Brasileira. Neto de africanos escravizados e filho de pai sapateiro e mãe doceira, Abdias dedicou a sua vida a defender os direitos dos negros e lutar contra a discriminação racial no Brasil.

O início do seu ativismo
Abdias do Nascimento nasceu no dia 14 de março de 1914, na cidade de Franca, interior de São Paulo.  Ao se alistar no Exército de São Paulo na década de 1930, participou das revoluções de 1930 e 1932. Ainda na mesma década, mudou-se para o Rio de Janeiro para estudar e chegou a ser preso devido aos protestos contra a ditadura. Em 1938, se forma em Economia pela Universidade do Rio de Janeiro e no mesmo ano, com a ajuda de militantes negros da cidade de Campinas, em São Paulo, organiza o Congresso Afro-Campineiro com o intuito de discutir questões relacionadas a comunidade negra, por exemplo, estratégias de resistências contra o racismo.

A sua militância começou muito cedo e não parou por aí. Durante a década de 1940, Nascimento viaja para o Peru e assiste à peça chamada O Imperador Jones, de Eugene O’Neill (1888-1953). Neste momento, ele percebe a importância da inserção negra nos teatros e suas demais representações, afinal o ator que interpretava o papel principal da peça era um homem branco tingido de preto. A situação não era diferente no Brasil, portanto precisava agir de forma que a sociedade começasse a valorizar o negro.

O teatro na vida de Abdias do Nascimento
Passou um ano estudando em Buenos Aires, Argentina, no Teatro Del Pueblo e ao voltar para o Brasil, em 1941, foi preso por crime de resistência. Nascimento ficou detido na extinta penitenciária do Carandiru e durante o período em cárcere fundou o Teatro do Sentenciado onde os presos escreviam e encenavam os próprios textos.

Em 1944, nasce o Teatro Experimental Negro (TEN), uma organização criada por Abdias do Nascimento juntamente a outros artistas e intelectuais brasileiros que entendiam a urgência em valorizar o negro socialmente através da cultura e arte. O TEN também contribuiu com aulas de alfabetização e oficinas de iniciação à cultural em geral, tudo em prol da formação de artistas e colaboradores. As primeiras aulas eram realizadas na sede da UNE.

Abdias do Nascimento na peça “Otelo”, 1946 – Foto retirada do site Wikipédia

Um ano depois, o TEN estreava no Teatro Municipal com o espetáculo Imperador Jones, tendo Abdias do Nascimento e Aguinaldo Camargo como diretores. No mesmo ano, Abdias se junta a outros militantes e funda o Comitê Democrático Afro-Brasileiro a fim de conseguir libertar presos políticos. Com o passar dos anos, o grupo resolve focar em peças de dramaturgia brasileira que trouxessem relevância para a cultura negra. O Filho Prodígio, de Lúcio Cardoso (1912-1968), foi dirigida e interpretada por Abdias, além de ser a primeira peça escrita especialmente para o Teatro Experimental Negro.


Suas contribuições, o exílio e a vida política
Abdias sempre foi um incansável ativista da causa negra. Entre 1945 e 1946, ele organizou a Convenção Nacional do Negro e convenceu o senador Hamilton Nogueira propor à Assembleia Nacional Constituinte que a discriminação racial fosse considerada crime de lesa-pátria. Infelizmente, a proposta não foi aprovada. Algum tempo depois, ele se junta a outras personalidades como Édison Carneiro e Guerreiro Ramos para organizar a Conferência Nacional do Negro que serviria de preparatório para o 1º Congresso do Negro Brasileiro.

Abdias do Nascimento foi responsável por criar o Museu de Arte Negra. Nesta mesma época de fundação, ao final dos anos 1960, a repressão policial era forte devido a ditadura militar. Sendo assim, ele exila-se nos Estados Unidos e passa a lecionar e dar palestras em diversas universidades. Também chegou a lecionar na Nigéria, onde passou um ano. Volta ao Brasil no final dos anos 1970 e se insere na vida política. Foi eleito Vice-Presidente Nacional do PDT, mesmo partido que ajudou a fundar. Contribuiu para a criação do Movimento Negro Unificado (MNU). Foi responsável pela criação do Instituto de Pesquisa e Estudos Afro-Brasileiros (IPEAFRO), na PUC de São Paulo, e organiza o 3º Congresso de Cultura Negra das Américas. Ajudou na criação do Memorial Zumbi, fundou a Secretaria do Movimento Negro do PDT e também a revista Afrodiáspora.

Ainda sobre a vida política, Nascimento foi Deputado Federal entre 1983 e 1987. Assumiu o lugar de Senador da República de Darcy Ribeiro após sua morte, entre 1997 e 1999. Foi titular da Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania do Rio de Janeiro e foi o primeiro Deputado Federal responsável por desenvolver políticas afirmativas. Ele também contribuiu para que o movimento de criação do dia 20 de novembro como dia oficial da Consciência Negra conseguisse instituí-lo, em 2006. Devido a tal atuação, Abdias do Nascimento recebeu o título de doutor honoris causa da Universidade de Brasília.

Abdias do Nascimento – Foto retirada do site Enciclopédia Itaú Cultural


O legado
Sem dúvidas, Abdias do Nascimento foi uma figura importante no processo de inserção do negro à sociedade e por abordar diversas problemáticas que envolviam a discriminação racial da comunidade negra. Abdias foi autor de vários livros que questionavam o racismo e a realidade do negro. Possui diversos títulos e prêmios tanto nacionais quanto internacionais por sua contribuição em diversos trabalhos que envolviam a temática afro-brasileira, inclusive uma indicação ao Prêmio Nobel da paz, em 2010, por sua defesa aos direitos humanos dos afrodescendentes.

Coincidentemente, ele e Carolina Maria de Jesus nasceram no mesmo dia e ano. Logo após completar 97 anos de idade, Abdias do Nascimento veio a falecer no dia 24 de março de 2011, no Rio de Janeiro. Assim como muitas personalidades afro-brasileiras, o nome de Abdias também é pouco lembrado. A tentativa de apagamento das histórias de luta do povo negro é uma forma de enfraquecer o legado e a força dos que tanto fizeram para que pudéssemos chegar até aqui. Jamais o esqueceremos. Seguiremos firmes!


Referências
Liteafro
A cor da cultura
Enciclopédia Itaú Cultural

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